segunda-feira, 17 de junho de 2013

04/02/2010 -conto

Dona de Casa

Terminou o banho, ainda recendia ao cheiro de coco. Olhou sua pele e a esfoliou com a palha de aço. Sangrou um pouco. Mas ao menos, pensava, não precisaria da cera do chão como carmim ao rosto.
E lá foi a coser na sua velha máquina, e cosendo com os tecidos das estopas maltrapilhas que antes tornaram limpas as salas. Fizera o corpete com velhos tapetes da entrada do terraço; as mangas formadas pelos retalhos das colchas e de espuma da cama que em anos as costas já tomavam por doloridas. Estava a criar em traje ao que se vestira dentre os anos; a juntar no seu vestido o que em dividido em sala, banheiro e cozinha.
Os bibelôs do salão principal viraram as jóias do pulso amarrados por barbante de pão; os ladrilhos rosa da lavanderia se esmiuçavam em cacos, e assim deram o toque dos detalhes cravejados nos buracos próprios da indumentária.
Foi até o biombo do seu quarto, se trocou com a delicadeza que a roupa exigia e viu no espelho o que quisera transparecer: tão decadente e encardida. Enfim em identidade com a derrocada de sua casa....
Observou que agora com as vestes de acordo com a ocasião e o lugar era o momento de um pouco de festividade. Em despedida sempre há festas com direito a música, ainda que seja uma só. Foi até a sala de jantar e lá soou uma valsinha antiga pelo toca-disco. Não podia dançar sozinha: pegou o rodo e com ele fez os seus volteios. Porém música tem término sempre antes do desejado, por isso queria até uma segunda dança, achava que com a vassoura teria conseguido um parceiro com rodopios melhores, porém manteve-se firme a sua palavra.
Foi até seu porta-jóia e lá encontrou os seus colares. Havia de pérolas, coral, ametista, bijoux de quinta categoria, todos eles muito bem trançados qual uma massa só. Das forcas, de longe, essa seria a mais bonita. Subiu a mesa, amarrou uma ponta ao lustre e a outra ao seu pescoço. Pensou por instante se isso era um pecado grave ou se deveria esperar para dar um adeus ao marido, mas não se importou muito com esses devaneios, estava cansada e se esperasse o esposo teria que fazer o jantar.

Pulou.

O pescoço ficou a doer, a respiração a faltar. Antes de perder consciência viu com esperança uma luz, mas percebeu instantaneamente que era só o lustre a ter um curto circuito.

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