Dona de Casa
Terminou o banho, ainda recendia ao
cheiro de coco. Olhou sua pele e a esfoliou com a palha de aço. Sangrou
um pouco. Mas ao menos, pensava, não precisaria da cera do chão como
carmim ao rosto.
E lá foi a coser na sua velha máquina, e
cosendo com os tecidos das estopas maltrapilhas que antes tornaram
limpas as salas. Fizera o corpete com velhos tapetes da entrada do
terraço; as mangas formadas pelos retalhos das colchas e de espuma da
cama que em anos as costas já tomavam por doloridas. Estava a criar em
traje ao que se vestira dentre os anos; a juntar no seu vestido o que em
dividido em sala, banheiro e cozinha.
Os bibelôs do salão
principal viraram as jóias do pulso amarrados por barbante de pão; os
ladrilhos rosa da lavanderia se esmiuçavam em cacos, e assim deram o
toque dos detalhes cravejados nos buracos próprios da indumentária.
Foi
até o biombo do seu quarto, se trocou com a delicadeza que a roupa
exigia e viu no espelho o que quisera transparecer: tão decadente e
encardida. Enfim em identidade com a derrocada de sua casa....
Observou
que agora com as vestes de acordo com a ocasião e o lugar era o momento
de um pouco de festividade. Em despedida sempre há festas com direito a
música, ainda que seja uma só. Foi até a sala de jantar e lá soou uma
valsinha antiga pelo toca-disco. Não podia dançar sozinha: pegou o rodo e
com ele fez os seus volteios. Porém música tem término sempre antes do
desejado, por isso queria até uma segunda dança, achava que com a
vassoura teria conseguido um parceiro com rodopios melhores, porém
manteve-se firme a sua palavra.
Foi até seu porta-jóia e lá
encontrou os seus colares. Havia de pérolas, coral, ametista, bijoux de
quinta categoria, todos eles muito bem trançados qual uma massa só. Das
forcas, de longe, essa seria a mais bonita. Subiu a mesa, amarrou uma
ponta ao lustre e a outra ao seu pescoço. Pensou por instante se isso
era um pecado grave ou se deveria esperar para dar um adeus ao marido,
mas não se importou muito com esses devaneios, estava cansada e se
esperasse o esposo teria que fazer o jantar.
Pulou.
O
pescoço ficou a doer, a respiração a faltar. Antes de perder
consciência viu com esperança uma luz, mas percebeu instantaneamente que
era só o lustre a ter um curto circuito.
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