segunda-feira, 17 de junho de 2013

artista


passasse fome ou frio , fazia seus retratos. as coisas iam bem, a vida sob os contornos dos outros era boa. entretanto , ouviu um desafio de um cliente: “consegues fazer um retrato meu envelhecido?” E lá foi com o grafite: como um artista imaginativo pensou todas as dobras e flacidez que iam se impor no rosto jovial do rapaz. Só precisou que ele posasse por uma uma hora e meia: era um desenho à lápis que ele queria e que, aliás, foi muito elogiado pelo  modelo.
Bem se sabe que um exercício difícil para quem nunca o fez se torna, com o tempo costumeiro, fácil, até um ponto que se torna inevitável. Assim foi com o nosso desenhista: o artista de ruela achando graça com o desafio, passou a estendê-lo por chacota nas observações das pessoas e os transeuntes : começava a imaginar todos como seriam se mais envelhecidos. Achou divertido por um tempo a curiosidade do resultado, mas no fim todo o exercício nos incorpora e toda a repetição se torna condicionada. Talvez obsessão, talvez morbidez, mas agora o artistas só via senis e decrépitos nas feições ao redor. Sendo ele próprio refletido em espelhos e vitrines, via a sua feição de futuro. Um Dorian Gray às avessas ou um fazedor de Dorian grays, quem sabe? Mas sabia as consequências ingênuas do novo fardo: Que mulher assobiar, se via senhoras de 90 anos? que pessoas levar a sério se tão fragilizadas pelo que as aguardava ? A coisa se agravava: via agora não só senilidade, mas já nos rostos familares havia o putrefato . era uma possessão, decerto uma loucura do demônio,pensou. Já não conseguia exercer sua profissão: como olhar e desenhar  um cadáver, se só via músculos e peles apodrecendo ? O artista agora era de fome. Perdeu seu ofício. mudou-o na verdade: pinta isolado em qualquer recanto telas de paisagens e natureza morta. Estas últimas entram em ruínas e apodrecem também...Mas não se equivalem, nunca poderiam, assim o pensa , e não sabe bem o porquê . Não se entende porque ainda tenta pintar, nem porque ainda não se matou, sendo ele próprio em cada reflexo um cadáver encarquilhado da sua derrota na arte e na vida.
28.04.2012


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