Seu
Bachelard devia estar a caducar. uma merda isso. o velho era
Brilhante. Nunca trabalhou, gastou o resto do dinheiro de duas gerações
de industriais,... mas quê! O velho era realmente brilhante. Seu
Bachelard tinha livros traduzidos, foi condecorado e o escambau.
Estudava história da ciência. Talvez tenha sido excesso de estudo que o
ferrou ou talvez fosse sempre um pouco louco. Eis a história do
decrepto:
Seu Bachelard
estava na biblioteca, estudando como sempre , quando escutei um grito :
“Thoreau está certo ao avesso! Thoreau deu-me a chave!” . Eu, como bom
empregado e como bom cristão fui olhar o que acontecia , mas, quando vi,
era só ele eufórico como tantas outras vezes com um livrinho qualquer.
Nada demais, pensei, coisa de gente que estuda muito. No outro dia é que
comecei a ver a diferença : um sorriso no rosto, uma alegria estranha.
Perguntou-me onde havia nascido. Ele sabia que eu era do interior , mas
respondi : “ Nasci no município do Cajá, seu Bachelard”. Depois
perguntou se a população era pequena . Disse que sim . E assim, de
repente, ele me disse: “Nos mudamos para lá hoje!”. O velho era
excêntrico , mas me surpreendi com essa novidade: ele morava na praia ,
na capital e com toda família dele próxima, não havia sentido ele se
mudar. Não o questionei, achei ótimo ir para casa, pretendia fazer isso
quando juntasse dinheiro. Melhor para mim.
A
mudança foi rápida. O velho comprou um bom sítio por meu intermédio e
em duas semanas já estávamos lá. Bom era estar na cidade natal. revendo
os amigos, a família... e com um emprego! O sítio era bonito, tinha uma
parte que era mata nativa e outra de pasto para boi. Aí que começou o
comportamento estranho de seu Bachelard : vestiu uma roupa antiga , uma
mistura tosca de cangaceiro e bandeirante, pegou um velho trabuco e
disse que ia para mata. Bem, pensei, o velho estava louco! Devia ter
desconfiado a mudança repentina. Porém , o pedido que se seguiu pareceu
revestido de bastante seriedade, e de tal modo estava eu feliz na minha
terra natal que a aceitei. A conversa breve foi algo mais ou menos
assim: “Heriberto Panza, vou fazer um experimento científico que vai
exigir de mim um comportamento estranho . Posso tomar sua ajuda e
discrição?" . Eu assenti, as frases eram vagas e não sabia no que isso
ia dar. Queria era o emprego. E lá foi ele para mata com o trabuco,uma
lata de feijão e um machado. Acampou lá. O velho ia toda manhã caçar.
Via à distância seu Bachelard, mas este não deixava me aproximar. Com o
tempo vi que juntava madeira da mata e começava, fracassadamente a
fazer uma choupana. Demorou aproximadamente uma ano, por tentativa e
erro para conseguir fazê-lo. Meus dias passavam tranquilos. Apenas
ajeitava a casa principal do sítio e ia para praça conversar com meus
amigos de infância. Sempre perguntavam de Seu Bachelard. Eu dizia que
ele era um professor muito ocupado fazendo experiências importantes e,
por isso, não aparecia na cidade.
Escondia
dos meus camaradas minha aflição de ver um homem tão inteligente
parecendo um maluco e vivendo como um troglodita. Mas, prometi a seu
Bachelard não interferir no seu experimento mesmo pendendo cada vez mais
a ligar para o hospício. Depois de um ano e meio ele voltou finalmente
para a casa do sítio. Enfurnou-se na biblioteca e foi escrever . passou
lá um mês. só escutava as teclas batendo. De vez em quando levava-lhe
chá e biscoitos para que o velho não morresse de inanição. Quando saiu
da biblioteca pediu-me, para arranjar uma arco e flecha ou algum
instrumento rústico. Dei-lhe um facão e uma boleadeira. No Agreste da
Paraíba era difícil encontrar uma arco e flecha. Depois disso seu
Bachelard voltou para sua choupana perto da mata. Mais dois anos nessa
esquisitice. Negava-se completamente as facilidades do mundo moderno e
do dinheiro que tinha. Durante dois anos fui inventando desculpas para
os parentes e amigos de seu Bachelard não aparecerem. Nem atendia mais o
telefone. Decerto deveria ser considerado um daqueles empregados que
oprimem e exploram os patrões senis.
Reparei
com , o tempo que a choupana de seu Bachelard não acendia mais a
lamparina. Fiquei desesperado: será que o velho havia morrido na mata?
Pedi ajuda aos meus amigos para fazer uma busca na mata: após oito
horas de busca encontrei seu Bachelard nu em pêlo com uma lança atrás de
uma codorna. Não teve jeito : chamei o manicômio e notifiquei a família
sobre o comportamento dos últimos 3 anos . Após isso e de uma grande
bronca que me foi dado pelos familiares ( risco de me processarem etc e
tal) soube que Seu Bachelard foi parar numa clínica de repouso , ou seja
um manicômio particular ao qual, pouco tempo depois , soube que o velho
fugiu, sabe-se lá como.
Passado 5 anos recebi uma carta de seu Bachelard, endereçada de Manaus e que transcrevo agora.
Olá, querido Heriberto Panza,
Escrevo-lhe
esta carta porque, entre todos , você é o único que merece explicação
em meio ao meu desaparecimento e ao meu experimento de alguns anos na
sua terra natal. Este experimento bem tive eu com uma leitura de lazer
na obra Thoreau: Walden. Bem ele dizia que para viver de modo simples
seria interessante se inspirar ou pesquisar acerca do modo de vida dos
colonos e dos antigos. Obviamente a referência e o intuito dessa citação
do Walden era um método para assegurar uma vida tranquila e retirada.
Mas cá pensei em transpor esse método para ciência: se eu utilizar um
método regressivo da história não para uma vida mais simples, mas para
observar os caminhos que a ciência tomou , posso observar também os
caminhos que a ciência ignorou; em outras palavras meu caro Panza, se eu
experimentar um vida de colono , bandeirante e homem primitivo posso ,
já sabendo o caminho tecnológico traçado anteriormente por este tipo ,
levar a cabo o caminho da tecnologia negligenciado. Imagine os avanços
que poderia descobrir! Bem sei , que o meu experimento tinha grande
riscos de fracasso, bem poderia não haver nenhum caminho científico e
tecnológico ignorado pelo , por exemplo, o bandeirante nas condições em
que se encontrava...Mas se houvesse? e foi nessa hipótese de trabalho( e
afinal a ciência começa sempre com hipóteses) que iniciei a labuta.
Refiz-me um bandeirante durante um ano sob aquela mata nativa. Mas não
me utilizei dos métodos do bandeirante para viver, fui além com o que se
tinha e ignorando o que vinha depois do bandeirante. Veja bem! Quando
você me via cansado o exercício era muito mais mental do que físico.
Reconstruir um método novo nas condições de tempo dos antigos sem , além
do mais, recair em métodos contemporâneas é uma tarefa hercúlea! E
assim fui fazendo descobertas inesperadas. Entusiasmei-me com o
progresso de tal modo que acabei por estender meus estudos: ia retornar
a modelo pré-colonial e ver do que desse período extrairia.mas
infelizmente você me considerou louco, e cá bem entendo suas razões...
talvez eu o tivesse feito o mesmo no seu lugar.
Argumentei
com os meus familiares acerca do meu experimento ,mas de
pouco adiantou. visto isso , fugi do hospício. Daí trilhei rumo ao
norte para a amazônia e rumo ao Equador procurando uma tribo yanomami
para me ajudar nesses estudos. Decerto esse escrito lhe parecerá mais
uma carta de um louco que estudou demais e cá só fala asneiras . Bom,
isso cabe a você, mas de toda maneira lhe mando um abajur que não se
apaga nunca, fruto dos meus estudos alternativos de óptica daqueles 3
anos em sua terra. Talvez lhe mande posteriormente meu moto-contínuo ,
já está em fase final.
Um Grande abraço,
Do seu amigo Bachelard
Vi
o abajur, tentei ligar , mas não consegui. Mais uma prova que era
doido. Ou talvez não apagasse nunca , simplesmente porque nunca se pôde
ligar. Seu Bachelard estava certo numa lógica completamente
distinta.Liguei ao mesmo instante para a família de sue Bachelard
dizendo que o coitado estava no Amazonas. Às vezes gosto de pensar que
ele está são e salvo fazendo uma cidade futurista com alguns ianomâmis.
Tadinho... e que saudade do meu emprego.
31.10.2011
31.10.2011
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